quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O Menino das Estrelas

Olá Juventude, o Cordel de Seu Fidelis está pronto e impresso. Levaremos ao Enast / Recife, como também já está pronto um Pôster para servir de apresentação ao Cordel.
Nosso amigo Adriano caprichou na gravura e ficou excelente, David também fez algumas correções ortográficas e de pontuação. Pontuamos, mas é costume esse tipo de literatura discorrer sem muitos requisitos gramaticais.
Abaixo o resumo que mandei ao Enast:
Este trabalho apresenta uma produção escrita, em forma de Literatura de Cordel que conta fragmentos da história de vida de um Aprendiz de Astronomia Amadora e ATM do Estado de Alagoas. O texto, cujo título é O Menino das Estrelas, contém quatro subtítulos a saber: O menino na roça; A Luta pelo saber; Em busca da Normalista e Contato com as Estrelas. Seu objetivo é socializar a história de vida de um nordestino, contando suas peripécias e aventuras e como conseguiu chegar às estrelas.

O menino na Roça

Nasci em quarenta e cinco,
Nas inclemências da guerra,
Na grande sombra dum outeiro
Por detrás de muitas serras,
Observando um céu natural
Onde a consciência se eleva.

Meu pai vivia da roça,
Produtos do seu labor;
Era o que interessava,
Banana ou mamão na flor,
Animais na manjedoura,
E as juntas sem sentir dor.

Era artífice de qualidade
Na arte de marcenaria,
Apreciava boa madeira
Na sua casa de farinha,
Pois dela tirava o lenho
Para atender a freguesia.

Eu assim fui me criando,
Assistindo e aprendendo
Trabalhos de carpintaria,
Assim eu ia crescendo
Para um futuro acalanto
Não ficar a mercê do vento.

Vivíamos do que fazíamos,
É a história que conheci,
Trabalhos de carpintaria,
Esse eu bem que mereci,
Papai lavrava a terra,
E eu servindo de aprendiz.

Luz elétrica, nem pensar,
Nenhuma comunicação,
Somente luz do candeeiro
Aplacava aquela escuridão.
Do lado de fora, no entanto,
O céu, verdadeira ostentação.

Não era somente isso não,
Havia os festejos juninos,
Curtia o fabrico de pólvora
Para depois nos estampidos
Celebrar o Santo do dia
Sem precisar ser socorrido.

Nesse pé de arrumação,
Nas noites de trovoadas,
Falava-se de Astronomia
Sem faltar às tabuadas,
Para computar a altura
De toda aquela saraivada.

Criei-me nesse ambiente
Entre estrelas cintilantes,
Eu menino me deslumbrava
Com aquele céu brilhante,
Minha mãe sempre falava
De um Deus exuberante.

Valia à pena a gente ouvir
O galo na madrugada
Separando noite e dia,
Em silêncio, região isolada.
Só na mente, a lembrança,
De uma noite enluarada.

Não conheci meus avós
Nem importava a ocasião;
Tanto meu pai como a mãe
Deram-me com gratidão
Nomes de lendas famosas,
Do Golfinho ao Rei Leão.

Minha mãe olhava o céu
No carreiro de São Tiago.
Para ela, aquele Universo
Era como escutar um fado;
Apontava as bandas do norte
E me mostrava o arado.

Aquela mente analfabeta,
E o meu pai um tanto herege,
Porém ambos conversavam
E diziam: aqui tudo acontece.
Planetas se movimentam,
E a gente vê quando anoitece!

Eu perguntava incisivo:
Quem lhes falou tanta coisa?
Ora, foi o mestre Pacheco,
Ensinava a escrever na lousa,
Já no caso do teu velho pai,
Foi Seu Benedito de Sousa.

Enfeitiçado me deixava
Tanta luz num candeeiro,
Papai dizia com ênfase:
Essa veio do estrangeiro,
É pra iluminar a estrada
E fazer o serviço ligeiro;

Lá pras banda da Europa,
Eles chamam Sealed Beam.
Aqui, no meio dos matutos,
É chamada de Silibrina
Por causa dessa luz forte
Pra deixar tudo no clima.

Menino ainda eu era,
Nem olhava a Severina.
Fitava muito as estrelas
Sem o Raio da Silibrina
Pois era uma supernova
A luz daquela bobina.

A Silibrina, uma lanterna
De Grande poder de luz
Levada nas locomotivas
Não era pra fazer cuscuz
Usava-se na manutenção
Dos trilhos que a conduz.

Coisas que mexiam comigo,
Silibrina era uma delas,
Fabricada por estrangeiros
Não era pronúncia bela,
A outra era a Locomotiva,
Eu ainda andei nelas.

Meu pai sempre dizia
O que tem aqui tem no céu:
Cachorros, pato e Peru,
Cobras, Lagartos e Pantéu.
Lá pras banda do norte,
Tem até noiva com véu.

Vivi no Sítio Guariba
Dos sete aos vinte anos
Estudava e trabalhava,
A agricultura era o ramo,
Cortava cana e amarrava
E sabia quem era o dono.

Também fazia as birras,
Onde todo menino é bom,
Bolinava com as vacas,
Porém sem perder o tom,
Aprontava com as cabras,
E o berimbau era o som.

Vitor, amigo de infância,
Nascido em Caruaru,
Ajudava-me nas trelas
Às voltas com o Cururu,
Onde fazíamos capa sapo
Com calangos e teju.

Pela noite com o meu pai
Olhava as bandas do leste,
Era ali onde aparecia
Muito objeto celeste,
Inclusive o Sputnik
Do oeste para o sudeste.

O céu da Guariba era bom
Para se avistar gaviões,
Também as Malhas do Sul,
Aquelas galáxias Irmãs,
Assim minha mãe chamava
As Nuvens de Magalhães.

Cometas, no céu da tarde,
Pela manhã, ainda bem!
Uma festa para os olhos!
E preocupação também;
Na boca daquele povo,
Calamidade por ai vem.

Circulo na Lua e no Sol?
Era aquele estardalhaço,
Cada um que mourejasse
Uma boa queda de braço
E acertasse a interpretação
Sem demonstrar embaraço.

Bem próximo do arqueiro,
Por volta de zero hora,
Minha madre lá apontava
O Rosário de Nossa Senhora;
Que bela Coroa Austral!
Sendo vista sem demora

Parecia uma ferramenta
Usada pelo carpinteiro,
O Compasso de São José?
Conhecido no mundo inteiro

Pela constelação do Touro,

E Aldebarã vem primeiro.

Não sendo muito estudada,
Custava a entrar no passo
Pois a constelação do Touro
Se parece com o compasso;
Ferramenta dos obreiros,
Assim não erra os espaços.

A luta pelo saber

Aprender ler foi mais fácil
Do que se estava esperando,
Consegui com as empregadas
Na Casa Grande trabalhando.
Elas me ensinavam de tudo,
Muitas vezes soletrando

Com cinco anos de idade,
Fiz carreira na escola,
De Dona Bia a comadre
Pra não perder a viola
Quando ficasse mais velho,
Ter algo bom na sacola.

Quando eu já sabia ler,
Dos Anjos, a professora,
Encaminhou-me a cidade
Para outra educadora,
Era no Grupo Escolar
Bem perto da Difusora.

Lá aprendi muita coisa
Da primeira a série quarta,
Logo cheguei até a oitava.
Minha professora era Marta,
Ficou muito fácil a lição
De quem tinha a mente nata.

Corri pra cidade grande
E lá estudei pesado,
Fiz o Ensino Médio,
Achava-me capacitado
Pra enfrentar a universidade
Porém estava enganado.

Lá eu fui muito ajudado
Por um irmão caprichoso
Bem mais velho do que eu
E era também buliçoso,
Deixou família numerosa
E não se dizia queixoso.

Tentei a Universidade,
Levei pau no vestibular,
Disse para mim mesmo:
Um dia vou arregaçar,
Fabricar gente letrada
Pra deixar no meu lugar.

Em busca da Normalista

Nos anos sessenta e oito
Do século que acabou,
Posso dizer sem rodeios:
Minha vida renovou.
Quando conheci uma jovem,
Minha sobrinha que apontou.

Uma querência bonita
Que logo botei no peito.
Ela era uma normalista
Para o meu sonho perfeito;
Aproveitei o vento risonho,
Assim fiz o que era direito

Passado já algum tempo
Que começou tal vida e lida,
Quebramos os protocolos
E as passadas perdidas.
Ultrapassamos as fronteiras
Não respeitando divisas.

O sonho da Universidade
Ficou mesmo para os filhos,
Que vieram programados
E apertados nos atilhos.
Saíram dois para o sucesso
E estão em cima dos trilhos.

Contato com as Estrelas

Trabalhando lá em Recife,
Um jovem empedernido
Conheceu no grande centro
O padre Polman decidido
Lá nos domínios do CEA
Em ambiente descontraído.

Trouxe para Alagoas
Essa fonte inesgotável
De conhecimento aplicado.
E sem recurso palpável
Reuniu um grupo coeso
Para estudar o céu afável.

Em um depósito de escola,
Viu uma luneta sucateada.
Com manutenção e verniz,
Manteve-a bem prateada,
Fez mesmo que Galileu,
Deixou-a já patenteada.

Isso foi em setenta e nove,
Somente dez anos após
Foi registrado em Cartório,
E o nome Ceaal tem voz.
Hoje somos reconhecidos,
E o céu, nosso Porta Voz.

Reabrindo o horizonte,
Nosso saudoso Genival,
Com garra, fé e coragem,
Deu grande impulso ao Ceaal.
Hoje até Observatório
Leva seu nome afinal.

Acontece como as estrelas,
Que deixam a sua mensagem;
Com nosso amigo também,
Para o além fez a viagem,
Deixando muita saudade,
Brilhará noutra paragem.

Encontrei um grupo coeso
De intelecto superior,
Professor, médico e advogado,
Tem até mesmo um senador.
Não em forma de pessoa,
Mas, um instrumento de valor.

Faço parte desse grupo,
Entrei sem conhecimento,
Aprendi muito e repasso
Alguns dos ensinamentos.
Alunos é que não faltam,
Cada um com mais talento.

Estando no meio deles
Renovo meu conhecimento
Confundem-me com professor
Reconhecem meu talento
Nunca me senti tão bem
Numa equipe em movimento

Tem nessa corte estrelada
Pesquisa, Ensino, Divulgação
Faço estas duas últimas
Pesquisa, não sou bom não
Existem outros membros
Que estão sempre em ação

Em quatro EINA cheguei
Num dos ENAST também
Aprendi bastante coisa
E nem viajei pro além
Dois mil e dez em Recife
Pra me sentir muito bem

Falarei dos personagens
Do meu grupo seletivo
Romualdo com nebulosas
É um médico muito ativo
Sempre chega na hora certa
Bom camarada e amigo

Adriano é nosso Mestre
Orientador por excelência
Divide com todo mundo
Sua ampla experiência
É um grande amigo de fé!
E não esquece a paciência

É funcionário federal
Também fez computação
Construiu seu telescópio
Que comprou a Sebastião
Ainda admira as estrelas
Nosso Lucas é um cidadão

David com seus Messier
Do céu, grande conhecedor
Tem o domínio da palavra
Com intelecto superior
Fala mais de um idioma
No Ceaal, ainda é tradutor

É funcionário federal,
Também fez computação,
Construiu seu telescópio
Que comprou de Sebastião;
Ainda admira as estrelas,
Nosso Lucas é um cidadão.

Temos musas mimosas
De rara beleza austral
Kizzy Sirius é uma delas
Do nosso circulo central
O planetário é sua área
Astronomia é seu ideal

Edmilson não esquece
Seu trato com o Planetário,
Ele gosta das Variáveis
E profere seminário;
Em Física está afinado
Recebe fundo do Erário.

Júnior, lá de Batalha,
Advogado brilhante,
Conhece o céu como nunca,
É assíduo e constante;
Tem Observatório remoto
Naquele céu fumegante.

Simone é a contabilista
Falta um pouco, mas aparece;
Quando chega é uma alegria,
Dela ninguém esquece.
Cuida da pouca finança,
E o clube bem que agradece.

Falarei num verso só
Dos nossos amigos turistas,
São muitos, mas não assíduos
Assim faz parte da lista.
Quando vêem nos felicita
Agradecemos sua visita.

Nesse grupo fabuloso,
Sinto-me valorizado,
Aquele menino pobre,
Agora está qualificado
Para apresentar palestras,
Fui até condecorado.

Cheguei a ser premiado
Do Prêmio Genival Leite.
Restaurei até telescópios,
Para proveito e deleite;
Eram peças de museu,
Só serviam de enfeite.

Lá no meu Pernambuco,
Terra dos meus ancestrais,
Recebi o primeiro impulso
Do ensino dos meus pais;
Eles me falavam de Galileu
E de tantas coisas mais.

Foi aqui em Alagoas,
Onde vi e entrei direto,
Montando meu telescópio
Comprado no mercado aberto.
Foi só tomar o caminho
Pra não ficar descoberto.

Na base para os telescópios,
Eu até tinha quem fizesse;
Peguei aulas com Adriano,
Depois com Sandro Coletti.
E, nessa mesma caminhada,
Tornei-me um ATM-BR.

Adriano, professor de Física,
Sabia fazer telescópios,
Encaminhou-me na jornada,
Não foi preciso periscópio
Para eu fazer a tomada,
Entrei na onda dos sócios.

Sócios, o clube tem muito,
Médicos, mestre e advogado,
Estudantes e tradutores,
Todos muito interessados
Para ver logo o que saia
Do novo recém-chegado.

Correndo atrás das Estrelas,
Aproveitei Marcelo Moura,
Meu professor à distância,
Com leituras duradouras.
O restante foi em casa
Na sombra da Professora.

Fiz um mirador das estrelas,
Cheguei a fazer sucesso,
Entrei nesse grupo legal,
Consegui fazer progresso
Construindo os instrumentos,
Foi assim que tive acesso.

Hoje brindamos Alagoas
Do Agreste a beira-mar
Com a divulgação do Céu;
Fazemos isso sem parar
Em praças, calçadas e ruas,
Já fomos até no Cajá;

Lá no Cajá dos Negros,
Nos mundos de Batalha,
Vimos um novo horizonte,
Não um recanto de sala.
Um planetário natural
Onde estrela se agasalha.

Imagine a sua esposa
Numa noite de verão
Passar a mão do seu lado
E não encontrar o varão;
Fica logo apoquentada
De perder o seu patrão.

Quando olha do terraço,
Abranda logo o coração,
La está o seu amado
Aproveitando a escuridão,
Tentando achar um cometa
Naquela enorme vastidão.

As voltas com o telescópio,
Procura-se ver tudo bem;
Lua em quarto crescente,
Planetas e estrelas também,
De gente no meio da praça
Num gostoso vai e vem.

Para apreciar bem o céu,
Só presta durante a noite.
E, na posse de um telescópio,
Vento fraco sem acoite.
E, para ver direito mesmo,
Só através dum pernoite.

Não é fácil acreditar
Essas coisas tão além,
Só mesmo lendo os estudos
Para entender tudo bem,
Conforme Stephen Hawking
E os feitos do Big-Bang.

Chega até ser solitária
A vida nestas alturas,
Observando ao telescópio,
Forçando o corpo a postura,
Comprometendo o espinhaço
Sem ver a Matéria Escura.

Nesse céu tão vasculhado,
Nas noites escuras, sem medo,
E sempre na esperança
De descobrir um segredo,
O brilho duma Supernova,
Começo dum Buraco Negro.

Agradeço toda leitura
Desses que aqui estão
Para ouvir essas histórias
Dos tempos que lá se vão,
É um colírio para os lhos
E acalanto pro coração.

Brindando com essa prosa
Inda vou chegar bem perto
Relembro o meu passado
Indo pelo portão certo
Não encontrarei obstáculo
O céu estando descoberto





 

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